Há um ano estava me preparando para uma peregrinação de 330 km, do sul de Minas, através da Serra da Mantiqueira até Basílica de Aparecida. O Caminho da Fé é um caminho de peregrinação que se faz a pé ou de bicicleta, eu fiz a pé e me programei para fazer este trecho em 10 dias, caminhando uma média de 30km por dia.
Acontece que já no primeiro dia minha programação foi literalmente por água a baixo, choveu muito.. e o trecho que eu havia pensado em fazer em 6 ou 8 horas, levei 12… E já neste primeiro dia aprendi três coisas:
1º: Você nunca está tão preparado quanto pensa que está;
2º: Um creme de 29 gramas pesa 1 kilo na subida;
3º: Mineiro é um povo maravilhoso, hospitaleiro e atencioso, mas não tem a menor noção de distancia, 1km ou 1m é a mesma coisa…
Bom quando em fim eu cheguei no hotel, não tinha força pra nada, só tirei a bota encharcada, e a capa de chuva, deitei na cama toda suja de lama, molhada (sorte que eram duas camas), os pés cheios de bolha, mas não tive força pra tirar a meia… E fiquei na mesma posição por quase uma hora. Neste meio tempo minha filha Carol me mandou uma mensagem: Mãe como vc está? Eu respondi: Pronta pra desistir. Só não desisti por que o marido e as crianças me incentivaram… “Não mãe vc consegue”. O marido disse pra eu dormir até mais tarde no dia seguinte e diminuir a quantidade de quilômetros por dia que eu ia conseguir… E assim eu fiz…
Só que no 3º dia eu refiz a rota e percebi que se continuasse diminuindo a quilometragem daquela maneira eu iria precisar de mais 5 dias pra terminar a caminhada. Então eu liguei pro marido, expliquei e perguntei se ele conseguiria ficar mais 5 dias sozinho com filhos, empresa, gato, cachorro e passarinho, ele disse que sim, mas me perguntou se eu conseguiria andar mais 5 dias. Como o sinal de celular era muito ruim na região e eu estava em cima de um morrinho que pegava melhor, combinamos de ir pensando no que era melhor fazer e na próxima parada eu ligaria novamente pra gente decidir se eu continuaria ou se voltaria pra casa.
Bom, andando mais alguns quilômetros eu cheguei na cidade de Ouro Fino, a cidade do menino da porteira, lá passei pela Igreja matriz que é belíssima e por sorte (eu acho) estava aberta, pois normalmente a gente passa pelas igrejas fechadas, já que saímos muito cedo e chegamos tarde nas cidades, mas esta estava aberta, e claro não perdi a oportunidade de entrar. Entrei e fiz uma oração primeiro por dois amigos cujos pais tinham partido por aqueles dias, um era o Sr. Geraldo pai do Buso e outro era o Luiz Neves, pai do Fernando, e também agradeci a força de ter chegado no terceiro dia. Pedi a Nossa Senhora que me ajudasse a decidir o que fazer, se continuar no caminho ou voltar pra casa, mas pedi para que ela me desse um sinal claro, porque sou meio lenta e não entenderia se o sinal fosse meio velado. Bom, agradeci novamente e segui o caminho.
A uns 100 metros da igreja, encontrei um senhor que estava sentado na porta da casa dele, ele me chamou e perguntou se eu estava indo para Aparecida (esta pergunta eu respondi 1 milhão de vezes durante a jornada), eu respondi que estava tentado mas que não sabia se chegaria. Ele disse bem firme, “Ocê chega, chega sim, certeza que chega, e quando chegar reza uma Ave Maria por mim, pois estou muito doente”. Eu fiquei chocada. Primeiro porque ele tinha mais confiança em mim do que eu mesma, e depois por ele me confiar uma oração a Nossa Senhora. Este pedido se repetiu muitas vezes a ponto de eu fazer uma lista, porque fiquei com medo de esquecer de rezar pra alguém que me confiou, caso eu conseguisse chegar em Aparecida. Bom, me despedi do Sr. Nilton e segui meu caminho.
Uns quilômetros pra frente parei em um lamaçal, tinha chovido muito na região nos últimos dias, e parei pra pensar, se ia pela lama e afundar até a canela no barro, ou se ia pela água e encher a bota… Pensei minha Nossa Senhora, e agora? Neste momento apontou no sentido contrario ao que eu ia um trator. Pensei: Vou esperar ele passar pra ver se a situação da estrada melhora… ele passou e parou do meu lado, e perguntou: “O moça ocê tá indo pra Aparecida?” Eu respondi que estava tentando mas não sabia se chegava, ele responde “Ocê chega sim… e cadê os cumpanheiro seu?” Esta foi a segunda pergunta que mais ouvi durante toda a caminhada… eu respondi: “Tô eu e Deus”, e ele: “Nossa ocê é corajosa… Olha monta aqui no tratô que eu travesso ocê, se não vai sujá demais” Subi… ele virou o trator e me atravessou no lamaçal… agradeci a ele muito, e fui agradecendo Nossa Senhora por este anjo que ela me mandou.
Mais uns quilômetros e de novo no sentido contrario ao que eu seguia, veio um rapaz de bicicleta, e tivemos a conversa de sempre: Ele: “Oi moça, ocê ta indo pra Aparecida?”, eu: “Tô tentando mas não sei se chego”, ele: “Ocê chega sim… e cadê os cumpanheiro seu?”, eu: “Tô eu e Deus”, ele: “Nossa…”. Enfim… conversamos um pouco mais ele e disse que pra baixo um pouco o rio havia transbordado e que era pra eu ter muito cuidado porque a correnteza estava forte, pra eu seguir pelo lado direito com muito cuidado e devagar ir tateando com o cajado, ele repetiu várias vezes… Do lado direto… depois acho que ele não acreditou que eu saberia qual era o lado direito e disse bravo: “Não, faz melhor… Não atravessa sozinha, espera alguém da região que conhece o rio pra te atravessar, entendeu? Não atravessa que a correnteza carrega ocê…” ele repetiu varias vezes, dava pra sentir a preocupação dele… Então agradeci imensamente, e seguimos nossos caminhos… Eu de novo agradecendo a Nossa Senhora, pois imagina se não encontro com ele e chego no tal rio e acho que posso atravessar sozinha, pois durante a caminhada muitas vezes caminhei horas sem ver ninguém… Bom cheguei no rio… O rio transbordou e passou por cima da ponte, no que eu penso? “Ixi agora complicou…” O que vem do lado oposto? Dois motoqueiros… com motos de trilha, aquelas altas… Eles estavam paramentados com botas, uniforme e tal… pararam do meu lado e tivemos a já mencionada conversa: “Tá indo pra Aparecida? Cadê os companheiros seus?”, ele me falou: “Olha, munta aqui na moto que eu travesso ocê”, e eu morro de medo de moto, apesar do meu filho já ter corrido. Mas pensei: “Vai ver que era o que Nossa Senhora tinha pra me mandar agora, vou montar”,mas antes falei pra ele: “Olha moçom eu vou agarrar em você” e ele disse: “Pó garra!”. Ele me atravessou o rio e me levou até bem perto da cidade, tomei um banho, mas o rio não me levou…
Quando a gente começa a fazer a caminhada, recebe uma credencial, como se fosse um passaporte, este passaporte vai sendo carimbado no caminho, e quando o peregrino chega em Aparecida apresenta este passaporte e recebe um certificado Mariano. Nesta cidade, que se chama Inconfidentes, o carimbo fica no bar do Maurão, que é muito bacana e muito envolvido com a associação do Caminho da Fé. Chegando lá, tivemos o mesmo início de conversa: “Tá indo pra Aparecida? Cadê os companheiros seus?”, ai ele me falou sério: “Seguinte, hoje você não segue viagem. Vou te mostrar onde fica a pousada, lá você encontra refeição e pouso, porque o próximo trevo está inundado. Amanhã se estiver melhor você segue, hoje não”. Ele não me perguntou qual era minha programação ou o que eu queria fazer, ele me deu uma ordem clara: você fica.
No caminho da pousada eu mandei uma mensagem para um ciclista que eu tinha conhecido alguns dias antes em uma pousada e perguntei como estava o caminho dali pra frente, ele me disse que havia passado com água na cintura, e que o melhor era eu esperar. Já na pousada que o Maurão me mandou ficar, eu fiz uma oração e com a cabeça e o coração descansados e em silêncio, eu senti Nossa Senhora falando no meu coração:
“Filha, vai seguindo o seu caminho que na medida da necessidade eu vou te mandando anjos pra te ajudar”.
E assim foi, necessidade a necessidade a solução aparecia, até que nos 3 últimos dias encontrei dois anjos que me acompanharam até a casa da Mãe, e graças a eles cheguei em 13 dias… e fui recebida pelo marido maravilhoso e pelos filhos lindíssimos no dia 25/01/16. E refiz o caminho em julho…
Quero agradecer muito mesmo todos que rezaram por mim… e muito obrigada pela paciência de vocês, um beijo grande.
Fabiana Brandão
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